quarta-feira, 26 de maio de 2010

Me dá a mão, vamos entrar no barco?


“Um dia, eu entrei naquele barco. Precisava te contar que fora incrível. Eu entrei naquele barco em sonho, e nele, você remava comigo. As águas se alternavam, ora plácidas, ora em tormentas, mas nós continuávamos sem desistir. Não nos cansávamos, porque tínhamos um ao outro. Era fácil, simples como as coisas realmente devem ser. Seu rosto era leve, a barba por fazer brilhava aos raios do sol. Eu adoro essa barba, sabe?! Mas, foi um sonho...
Eu não entendo seus olhares, sua presença, sua ausência. Não entendo sua marra. Não entendo, mas gosto, porque faz parte de você. Gosto do seu jeito controlador, você sempre está no controle de tudo. Admiro isso, de verdade! Mas, queria que você soubesse que, às vezes, demonstrar-se vulnerável é normal. Pedir colo, deixar que os outros cuidem de você é normal. Eu não sei como agir, o que dizer, e mesmo quando estou ao seu lado, você não me dá pista alguma. Você me diz que é meu porto seguro, mas e o seu porto, onde está? Não quero um porto seguro, quero entrar naquele barco com você! Quero conviver diretamente com sua alegria, suas vitórias, seus medos e suas falhas, com tudo que te faz forte e com tudo que te faz humano. Quero amar seus defeitos, porque ninguém é perfeito e sem eles, você não seria você. Eu quero entrar naquele barco, de mãos dadas com você!”
- Quando você vai parar de escrever essas mini cartas apaixonadas, Cecília?
- Nunca. Por que eu deveria parar de colocar palavras bonitas no papel?
Os olhos verdes da amiga, aparentemente rabugenta, reviraram. Olharam para o alto como se pedissem aos céus um pouco mais de paciência para si e de juízo para a amiga, que se negava a separar a tríade pensamentos-papel-caneta. Os textos eram realmente bons. O problema é a sensibilidade... Por que se expor? Por que se machucar? Amor não correspondido é uma merda, isso é de conhecimento geral da nação!
- Você pode se machucar. Acho que ele não está na sua. Entende?
- Mônica, eu sei. Mas ele sabe que estou na dele. A gente sempre sabe!
Foi um baque ouvir aquilo. Como assim? Cecília sempre sonhou demais, sempre foi otimista demais, tranqüila demais... mas agora surtou! Na moral, ela sempre foi contra esse estacionamento na vida, isto é, “gostar de quem não gosta de mim” como diz a música. Ela sempre condenou as pessoas que fazem de tudo para ter um feedback romântico, que param a vida por isso.
- Cecília, que você quer dizer com isso?
Ela estava com uma expressão diferente. Carregava algo no olhar. Mônica não conseguia decifrar o que era. Mas a resposta à pergunta feita trouxe algum esclarecimento.
- Nada demais. Só acho que ele sabe. Não vou choramingar pelos cantos, não vou fazer papel de idiota. Eu não sou assim. Mas, quando quero algo, consigo. Sei que tudo acaba dando certo no fim.
- Tô boiando! Dá pra ser mais clara? Que cara é essa? Você está estranha!
- Cara de quem tomou uma decisão. Ele não está a fim de mim, o que é problemático, porque ele se enquadra perfeitamente na categoria “ ele é total nível eu pegaria”, aliás, melhor, se encaixa na categoria “ele é total nível: eu quero te pegar, cacete!”. Então, eu decidi que o farei se apaixonar por mim!
A surpresa e incredulidade passaram pelo rosto familiarmente amigável. A voz falhou por alguns segundos, mas ressurgiu transparecendo todo o espanto causado pela “decisão” da amiga surtada:
- Você sempre consegue superar as minhas maiores expectativas! Como pretende fazer isso?
- O tempo é meu aliado. Será aos poucos, sem insistência, sem correr atrás, acrescentando um pouco de mistério a cada dia. Alguns dias serão melhores do que outros: em alguns dias, esperarei qualquer manifestação de afeto, mas não receberei nenhuma; em outros dias, receberei um sim, sem ter feito qualquer pergunta. Simples assim. Eu acredito que vou conseguir, e isso é o mais importante. Posso viver de um jeito torto, mas acredito que tudo que faço, dará certo!

*Texto inspirado no poema "Remar" de Caio Fernando Abreu. Eis o poema:
"Eu entro nesse barco, é só me pedir. Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou. Faz tempo que quero ingressar nessa viagem, mas pra isso preciso saber se você vai também. Porque sozinha, não vou. Não tem como remar sozinha, eu ficaria girando em torno de mim mesma. Mas olha, eu só entro nesse barco se você prometer remar também! Eu abandono tudo, história, passado, cicatrizes. Mudo o visual, deixo o cabelo crescer, começo a comer direito, vou todo dia pra academia. Mas você tem que prometer que vai remar também, com vontade! Eu começo a ler sobre política, futebol, ficção científica. Aprendo a pescar, se precisar. Mas você tem que remar também. Eu desisto fácil, você sabe. E talvez essa viagem não dure mais do que alguns minutos, mas eu entro nesse barco, é só me pedir. Perco o medo de dirigir só pra atravessar o mundo pra te ver todo dia. Mas você tem que me prometer que vai remar junto comigo. Mesmo se esse barco estiver furado eu vou, basta me pedir. Mas a gente tem que afundar junto e descobrir que é possível nadar junto. Eu te ensino a nadar, juro! Mas você tem que me prometer que vai tentar, que vai se esforçar, que vai remar enquanto for preciso, enquanto tiver forças! Você tem que me prometer que essa viagem não vai ser a toa, que vale a pena. Que por você vale a pena. Que por nós vale a pena. Remar. Re-amar. Amar."

segunda-feira, 24 de maio de 2010

E agora? Vai dizer o quê?


Algumas palavras simplesmente não existem. Há situaçoes, sentimentos que não podem ser expressos por nenhuma palavra. Eu simplesmente odeio essa ausência, esse oco na língua. É frustrante, angustiante... sim, porque você sente, você sabe que precisa dizer algo, você sabe o que é , mas nada é suficientemente bom, nada consegue expressar tudo que está dentro de você.
Situações em que isso ocorre são normais, comuns. Você pode encontrar com um amigo, conversar com ele descontraídamente, porém, o telefone dele toca e, do outro lado da linha, contam uma notícia muito triste: alguém querido faleceu! E aí? Vai, se vira nos 30! O que dizer? Como confortar? "Que chato!", "Meus sentimentos!", isso é muito pouco. Nunca se sabe o que dizer em momentos assim. É exatamente em momentos como esse que acredito na pobreza da língua. Como eu gostaria de um manual: "o que dizer nas mais diversas situações"! Seria muito útil, principalmente se esse manual fosse como um dicionário, ao lado da palavra certa, haveria a descrição do sentimento da pessoa.
Talvez, eu seja organizada demais... sim, porque preciso nomear tudo. Talvez, por isso, eu sinta tanta falta de palavras que exprimam os sentimentos...os meus e os dos outros. É angustiante não conseguir dizer o que se passa, o que sente...aliás, muitas vezes, pior do que nomear tudo é definir quantos sentimentos estão em voga. Sentir demais, ter sentimentos sobrepostos é enlouquecedor. Na verdade, é melhor dizer: viver é enlouquecedor! Porque a todo momento estamos nos deparando com algo que nos faz sentir alguma coisa. Menos mal quando a sensação é conhecida, porém, haja psicanálise para aquelas sobrepostas ou indefinidas...
Sério mesmo! Pensa na situação, você está a fim de alguém. Você se empolga, pensa direto nessa pessoa, a procura, então vocês conversam como dois amigos (o que te mata aos poucos), e você se sente um completo idiota perto dela... Na moral, vai dizer que tá apaixonado? Claro que não! Vai dizer que está a fim? Vai dizer o quê? Você consegue definir o que sente? Não, nem isso você sabe o que é, então nomear o que acontece é praticamente impossível! Não tem nome, pois nada consegue expressar a sensação, não existem palavras que exprimam o sentimento ou todos os sentimentos sobrepostos.
Ainda não consigo decicir o que é pior: o oco na língua ou a indefinição dos sentimentos. Sinceramente, talvez eu prefira sentimentos curtos, totalmente nomeáveis, definidos, simples. Sinceramente, não gosto de situações em que o oco da linguagem impera. Na verdade, bem que poderia ser mais fácil viver, né? Mas, será que seria tão emocionante?