sábado, 24 de outubro de 2009
Dom Quixote
Irreverente, educado, virado em grande cavaleiro medieval… era um Dom Quixote por excelência. Tantas lutas travadas, tanta abnegação, benevolência. Era ele! Sempre com a espada em riste para defender, para lutar por uma grande causa. Esquecia-se, porque o mundo e todas as pessoas nele eram mais importantes. Então, como um raio ou um trabalho bem feito de macumba, se pôs aos pés dela. Ela que aparecia em suas vistas com um sol. Ela que aquecia seu coração.
Foram cinco anos carregando o coração maltratado. Sim, é possível contar com apenas uma mão cheia de dedos o tempo dessa história. Nesse tempo, ele sofria. Tão difícil perceber que ela não era Dulcinéia. Ele procura acreditar. Quer se enganar? Difícil dizer... ainda briga, pisa em brasa, rasteja e se dilacera para vê-la sorrir. Ainda se esquece. Porque o mundo e todas as pessoas, especialmente ela, são mais importantes do que ele mesmo.
Quando a loucura permitirá que seus olhos se abram, para que possa enxergar que ela não é a Dulcinéia? Quando acordará desse estado de torpor, para subir em seu cavalo e buscar a real e doce Dulcinéia? Quando se lembrará de si? Quando?
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
Sinal de vida
*Uma breve explicação: levei bronca por ter abandonado o blog às moscas! Então, minha amiga Lian, durante a bronca, sugeriu que eu escrevesse uma carta terminando um namoro. Afinal, seria um tema para escrever um texto e reativar o pobre blog...
Confesso que esta air drummer, estudante full time que vos fala, vem sofrendo um prolongado bloqueio criativo! Deu pra perceber, né?! Por isso levei mais de uma semana para escrever a tal carta de término de namoro com o namorado imaginário! Enfim... eis a promotora de um suspiro de vida do quase moribundo blog:
Hoje, senti falta de você! Estava organizando os livros na estante (sim, continuo com a velha mania de arrumá-los em ordem alfabética e de separá-los por categorias). Lembrei-me das tantas vezes em que saímos e fomos parar dentro de uma livraria. Os livros que você me deu parecem ter seu cheiro em cada página! E eu me pergunto como isso é possível? Mais uma pergunta sem resposta... o que me remete a um de seus aforismos: “A vida é assim mesmo!” Como eu odeio essa frase! Não deveria ser assim...
Em meio à minha organização, eu ouvia aquele CD do Oasis em que cada faixa parece ter um pedaço de nossa história. “Saudade” não é a palavra exata, ela não exprime tudo que sinto. É difícil nomear, definir essas emoções, até porque elas são contraditórias, exacerbadas e se sobrepõem. Lembra quando passávamos a noite conversando na sacada, procurando estrelas apesar de a cidade ser altamente iluminada? Sinto falta disso! Também sinto falta dos nossos planos... acho que perceber que todos aqueles planos não serão concretizados, é uma das coisas que mais machuca. “So let me be the one, Who shines with you…” Eu deixei! E nós brilhamos muito, mas como toda estrela que morre e perde o brilho, esvanecemos. Eu tenho toda a certeza de que é você, sempre será... Mas, não envelheceremos juntos como havíamos planejado. Não ensinaremos os netos a ouvir Beatles, Ramones, The Who e Oasis...Não os ensinaremos a dançar moonwalk ou os passos do Elvis Presley.
Talvez eu esteja sendo egoísta e perversa por terminar assim. Mas você não perguntou minha opinião quando decidiu sair do país. Eu sei... é sua carreira e blá blá blá...Conheço o discurso! A questão não é essa. Eu também teria aceitado a proposta de emprego, como você fez. O problema é que nos distanciamos demais. Não conseguimos sequer conversar por telefone e quando conversamos, as brigas acontecem. O pior das brigas a distância é que não podemos fazer as pazes daquela forma tão divertida como estávamos acostumados.
Está difícil ficar dentro de casa, pois todas as paredes guardam uma memória sua. Eu não consigo mais conviver com tua ausência e todas as recordações tão presentes. Sinto falta do barulho do barbeador batendo na pia e me acordando pela manhã, assim como dos seus pés frios procurando o calor dos meus debaixo das cobertas. Sinto falta do seu café forte, dos seus palavrões ao assistir jogos de futebol, da sua cara de desespero e da famosa frase “você é puro coquetel Molotov” durante minhas crises de TPM.
Eu me cansei de sentir tanta falta, de sentir tanta saudade e de sentir raiva, angústia, desespero. Estou cansada de sentir! Quero sentimentos curtos, nomeáveis e não sobrepostos. Por isso estou te deixando ir, por isso termino definitivamente e por meio das palavras certas, mas até agora evitadas, o que na prática já acabou. É uma pena, mas só restou história... já não conseguimos ser juntos o casal que fomos. Só sobraram as brigas e o turbilhão de emoções que me estraçalham diariamente. Eu preciso de mim inteira, forte e decidida. Por isso, vai...
Estou liberando com essa carta também todos esses sentimentos que me incomodam. Até porque, a vida não é assim mesmo. A vida é infinitamente magnífica para ser tratada como capacho da porta de entrada de um apartamento e é por isso, que não se deve aceitar qualquer coisa. Não, a vida não é assim mesmo e eu não quero precisar de você para viver. Não quero me sujeitar à distância, à constância das brigas, à raiva, mágoa, a uma aquarela de sentimentos por ter me acostumado a te ter, por precisar de você. Não...
Eu realmente sinto falta de você, de nós dois. Temos uma bela história, mas ela chegou ao fim. E sim, tenho certeza de que é você, sempre será você! Somos a maior prova de que existem almas gêmeas, mas elas não estão sempre destinadas a ficarem juntas. Era pra ser, mas não foi. Vida que segue, vida que muda, vida que se vive, vida que se transforma...
Te amo sim. Mas não preciso de você para viver, para ser feliz... e você não precisa de mim. Nosso pra sempre não foi eterno, mas foi lindo e brilhante. “O sol é uma estrela que ao morrer virará anã branca!” “Anã branca é um nome bonito pra um buraco negro!” “A poesia existe em tudo, até nos buracos negros!” Somos uma perfeita anã branca.
Desejo-lhe felicidades. Espero que compreenda. Sinto muito.
Carinhosamente,
Alma-gêmea.
quinta-feira, 16 de abril de 2009
Era uma vez, um sapo
A noite já se mostrava majestosa com suas estrelas brilhantes. Na realidade, já havia esquecido que o céu era cravejado de infinitas estrelas, pois é tão raro olharmos para cima para ver a lua ou as estrelas cotidianamente! Além disso, as luzes da cidade impedem a visão de tal show. Mas, o mais intrigante, era o fato de não estar exatamente olhando para cima naquele momento, mas para baixo!
A vida bucólica do campo, por vezes se mostra encantadora. Nesse fim de semana, a ida ao sítio da amiga trouxe não só o descanso, mas também uma revelação: seja como for, a vida é um espetáculo magnífico! Por isso, olhava para o chão. Procurava o totem que lhe revelara isso.
Já havia desistido do amor, da beleza que os filmes de comédia romântica pregam. Aquela ilusão de que tudo existe por um motivo, cada ser vivo, cada sentimento, cada situação agregada à fé de que a vida vale a pena ser vivida, pois ninguém conhece o futuro, e tudo é surpreendente. Enfim, já desacreditara de tudo isso, tornara-se ranzinza. Não sabe exatamente em que ponto perdeu a esperança, a criança sonhadora em seu interior. Mas, fato é que o sarcasmo afogou o entusiasmo, a ironia surgiu como máscara para a amargura de uma vida tão diferente e pouco interessante.
Amizade? É claro que possuía amigos, todos os possuem. Não os tinha em quantidade, é bem verdade. Mas, nos últimos tempos, tudo o que via era futilidade, pensamentos pouco lógicos, imbecilidade por todos os cantos, inclusive nas palavras de amigos. O problema teria sido sempre ela? Ou seria o mundo feio assim mesmo? Que houve com o teu olhar? Enxergara mais claramente, ou o mundo tão decepcionante turvara tua visão? Há muito se remoia nessa angústia por não ser mais quem costumava ser, por não se reconhecer no espelho. De repente, tudo a irritava, canto de pássaros, crianças! Então, sugeriram que todo o mau-humor era devido ao stress, e dessa sugestão surgiu o convite para passar um fim de semana no sítio da amiga.
Lembremos: sítio é um lugar no meio do mato com animais, entre eles, pássaros que cantam, e mosquitos que picam inadvertidamente! A ranzinza não gostou muito da idéia, afinal, como não se irritar em um lugar cheio de pernilongos? Há algum tempo, seu passatempo constituía–se em assistir a vários episódios de seriados coletados durante a semana, deitada na cama. Esse era o que chamava de descanso perfeito! Irônico, não? A garota, aparentemente desestruturada, descansava assistindo a cenas que já renegava, as quais seriam impossíveis no mundo real, porque a vida já não vale mais a pena e nem tudo é tão mágico como nas histórias do seriado! Ok, na realidade, como dizem, a esperança é a última que morre, e ela esperava ser resgatada, queria voltar a ser quem era, voltar a acreditar que o mundo é mais do que isso, a vida é maior do que todas as futilidades vistas ultimamente. Pode-se dizer que essa viagem ao sítio a salvou.
Na manhã de sábado, toda a família de Letícia, amiga da nossa ranzinza, a qual atende pelo nome Yandra, estava reunida na cozinha para tomar o café-da-manhã, o que é comum na cultura ocidental. Todos já estavam sentados à mesa, quando as meninas chegaram desejando bom dia.
-Letícia, pegue no armário xícaras pra vocês duas, minha filha. - Disse Dona Maria, matrona da família.
Tudo estaria na mais perfeita ordem, se a garota simplesmente buscasse a louça e se sentasse para tomar o desjejum, contudo, apareceu o anzol salvador do estado de espírito de Yandra. Ao ir em direção ao armário, Letícia soltou um grito e deu uns pulos desajeitados dizendo: “um sapo, um sapo”.
Yandra sorriu, achou a cena hilária, afinal, estavam no campo, era óbvio que lá havia sapos! Ela foi conferir a existência da criatura coaxante.
- Lets, é só um sapo. Que bonitinho! Deixa de ser boba, menina! Dá-lhe um beijo, vai que vira príncipe!
Em meio aos risos da família, Letícia respondeu um sonoro “ECA!” acompanhado de “Dá você, que o acha bonitinho”.
Yandra sorriu e respondeu:
- Mas assim não funciona, você o encontrou, ele é o seu sapo que pode virar o seu príncipe, não o meu, o máximo que posso fazer é perguntar a ele quais são as coordenadas para achar o meu príncipe, se é que um dia se encontraram!
Então se virando para o sapo, Yandra perguntou:
- Caco, onde está meu príncipe, você sabe?
Nesse instante, o sapo coaxou. E todos riram, quando ela os olhou perguntando se alguém sabia falar sapês. Porém, enquanto isso o sapo se moveu, pulando até chegar bem próximo ao irmão de Letícia, onde parou e coaxou novamente. Todos gargalharam. Yandra e Mateus ruborizaram. Ela ainda tentou contornar, tentava conversar com o sapo: “ok, engraçadinho! Agora, estou tímida! Vá tomar seu café-da-manhã lá fora... vá passear, vá!”. Mas o sapo não lhe prestava mais atenção, então Dona Maria pegou uma vassoura e o varreu para fora.
As meninas se sentaram para tomar café ainda em meio a gargalhadas. Dona Maria disse não saber definir a loucura da situação, isto é, se Yandra era a maluca da história por conversar com o sapo, ou se era o animal por responder! Nisso, Mateus disse ter ficado honrado com a escolha do sapo oráculo. E Yandra, muito sem graça, respondeu que teria sido bem menos embaraçoso, se ela tivesse dito que não acreditava em contos de fadas.
- Amiga, se você tivesse dito isso, não teríamos nos divertido tanto!
Era verdade, a situação foi divertida, mas não só isso. Yandra ia muito à casa de Letícia, conhecia toda sua família e se identificava com Mateus. O fato de ambos se ruborizarem não era só por um embaraço qualquer, pois havia certa afinidade entre eles, tanto que até conversaram sobre o ocorrido depois. Ele estava na varanda, lendo, quando ela se aproximou, sentou no degrau e ficou olhando a paisagem.
- Tá estranhando a calmaria do campo?
- Um pouco. Atrapalho?
- De jeito nenhum. Aliás, a princesa nunca atrapalha o príncipe, segundo os contos de fadas, certo?
- É, certo. Você não achou aquele sapo um tanto quanto intrometido?
- Não, ele só respondeu o que você perguntou. Talvez tenha sido meio metido. Você não gostou da resposta?
- Ops! É... não é que não tenha gostado, apenas foi inesperada! Só o coaxar tava de bom tamanho!
- Mas a vida é assim, sempre nos coloca diante do imprevisível, do surpreendente. São por momentos assim que vale a pena estar vivo.
Yandra o olhava e não acreditava que ainda existia nesse mundo alguém que pensasse assim. Sentiu-se feliz, subitamente, o mundo mudava de novo. Existem pessoas diferentes, que pensam com profundidade, que acreditam na vida, que sonham e não permitem que digam que os sonhos ou a sua realidade sejam bobagens. Já haviam conversado anteriormente sobre outras coisas, aliás, gostava de conversar com ele, mas talvez nunca tivesse reparado que as almas de ambos falassem a mesma língua. Foi como respirar o ar puro após sair de um túnel.
- Eu concordo. Tudo tem uma beleza singular, há momentos que se eternizam deixando saudade. Só se vive uma vez, sem esboços, e isso traz uma magia incrível à vida.
- Vocês estão filosofando? Hiiiii... Yandra, vamos andar a cavalo? – Letícia apareceu puxando a amiga para o meio do pasto.
O fim de semana no sítio fora perfeito, atingira não só o objetivo de acabar com o mau-humor de Yandra, como recuperou seu vigor, sua fé na vida e nas pessoas. Mas ela sentia que o sapo tinha a ver com isso. É bem verdade, que ela não acreditava que Mateus fosse seu príncipe encantado ou que o animal a tivesse respondido de fato. Porém, o sapo causou a situação engraçada, situação essa que provocou aquela conversa com Mateus, o diálogo de suas almas e o despertar de seu ânimo, de seu entusiasmo que há algum tempo andava adormecido.
Então, já era noite, naquele sábado. E Yandra estava na varanda, procurando seu totem no chão, ao invés de admirar o céu daquela noite. Teria sido simples coincidência? Não seria possível que o sapo a tivesse entendido profundamente? Ela não procurava um príncipe, mas um resgate! Parece besteira. Mas muitas pessoas vão para o deserto, fazem uma caminhada espiritual para encontrar um totem que lhe dê respostas. Ela precisava de uma caminhada dessas, mas não foi preciso fazê-la, seu totem apareceu assim, de repente. Mas, agora, estava sumido. Tinha vontade de testá-lo novamente. Estranho, mas queria levá-lo pra casa, fazê-lo seu confidente, conversar sobre os mistérios do universo. É apenas um sapo... muitos diriam isso. Aliás, quem não a internaria num sanatório por conversar sobre os mistérios do universo com um sapo? Mas era o seu sapo, isto é, tornara-se o seu sapo, pois a libertara da angústia. Por causa dele, voltava a acreditar na vida, a enfrentar o mundo com a cabeça erguida! Ele, um pequeno sapo, foi o estopim para voltar a se alegrar, para não perder de vez a fé na humanidade.
- Yandra, o que você está fazendo?
- Procuro aquele sapo, estou vendo se ainda está por aqui.
- Por quê?
- Por nada.
Na verdade, queria dizer que queria olhá-lo, queria tentar um contato visual, como se assim, ela pudesse sentir sua alma se comunicando com seu totem. Precisava ter certeza de que aquele sapo era seu totem. Queria mais respostas. Pra variar... estava sempre atrás de respostas.
- É só um sapo, Yan. Ele não vai voltar a entrar em casa. Entra, vamos ver um filme?!
- É, é só um sapo! – “Mas é o meu sapo!”, pensava, enquanto entrava na sala, ainda olhando para a varanda.