quinta-feira, 16 de abril de 2009

Era uma vez, um sapo


A noite já se mostrava majestosa com suas estrelas brilhantes. Na realidade, já havia esquecido que o céu era cravejado de infinitas estrelas, pois é tão raro olharmos para cima para ver a lua ou as estrelas cotidianamente! Além disso, as luzes da cidade impedem a visão de tal show. Mas, o mais intrigante, era o fato de não estar exatamente olhando para cima naquele momento, mas para baixo!

A vida bucólica do campo, por vezes se mostra encantadora. Nesse fim de semana, a ida ao sítio da amiga trouxe não só o descanso, mas também uma revelação: seja como for, a vida é um espetáculo magnífico! Por isso, olhava para o chão. Procurava o totem que lhe revelara isso.

Já havia desistido do amor, da beleza que os filmes de comédia romântica pregam. Aquela ilusão de que tudo existe por um motivo, cada ser vivo, cada sentimento, cada situação agregada à fé de que a vida vale a pena ser vivida, pois ninguém conhece o futuro, e tudo é surpreendente. Enfim, já desacreditara de tudo isso, tornara-se ranzinza. Não sabe exatamente em que ponto perdeu a esperança, a criança sonhadora em seu interior. Mas, fato é que o sarcasmo afogou o entusiasmo, a ironia surgiu como máscara para a amargura de uma vida tão diferente e pouco interessante.

Amizade? É claro que possuía amigos, todos os possuem. Não os tinha em quantidade, é bem verdade. Mas, nos últimos tempos, tudo o que via era futilidade, pensamentos pouco lógicos, imbecilidade por todos os cantos, inclusive nas palavras de amigos. O problema teria sido sempre ela? Ou seria o mundo feio assim mesmo? Que houve com o teu olhar? Enxergara mais claramente, ou o mundo tão decepcionante turvara tua visão? Há muito se remoia nessa angústia por não ser mais quem costumava ser, por não se reconhecer no espelho. De repente, tudo a irritava, canto de pássaros, crianças! Então, sugeriram que todo o mau-humor era devido ao stress, e dessa sugestão surgiu o convite para passar um fim de semana no sítio da amiga.

Lembremos: sítio é um lugar no meio do mato com animais, entre eles, pássaros que cantam, e mosquitos que picam inadvertidamente! A ranzinza não gostou muito da idéia, afinal, como não se irritar em um lugar cheio de pernilongos? Há algum tempo, seu passatempo constituía–se em assistir a vários episódios de seriados coletados durante a semana, deitada na cama. Esse era o que chamava de descanso perfeito! Irônico, não? A garota, aparentemente desestruturada, descansava assistindo a cenas que já renegava, as quais seriam impossíveis no mundo real, porque a vida já não vale mais a pena e nem tudo é tão mágico como nas histórias do seriado! Ok, na realidade, como dizem, a esperança é a última que morre, e ela esperava ser resgatada, queria voltar a ser quem era, voltar a acreditar que o mundo é mais do que isso, a vida é maior do que todas as futilidades vistas ultimamente. Pode-se dizer que essa viagem ao sítio a salvou.

Na manhã de sábado, toda a família de Letícia, amiga da nossa ranzinza, a qual atende pelo nome Yandra, estava reunida na cozinha para tomar o café-da-manhã, o que é comum na cultura ocidental. Todos já estavam sentados à mesa, quando as meninas chegaram desejando bom dia.

-Letícia, pegue no armário xícaras pra vocês duas, minha filha. - Disse Dona Maria, matrona da família.

Tudo estaria na mais perfeita ordem, se a garota simplesmente buscasse a louça e se sentasse para tomar o desjejum, contudo, apareceu o anzol salvador do estado de espírito de Yandra. Ao ir em direção ao armário, Letícia soltou um grito e deu uns pulos desajeitados dizendo: “um sapo, um sapo”.

Yandra sorriu, achou a cena hilária, afinal, estavam no campo, era óbvio que lá havia sapos! Ela foi conferir a existência da criatura coaxante.

- Lets, é só um sapo. Que bonitinho! Deixa de ser boba, menina! Dá-lhe um beijo, vai que vira príncipe!

Em meio aos risos da família, Letícia respondeu um sonoro “ECA!” acompanhado de “Dá você, que o acha bonitinho”.

Yandra sorriu e respondeu:

- Mas assim não funciona, você o encontrou, ele é o seu sapo que pode virar o seu príncipe, não o meu, o máximo que posso fazer é perguntar a ele quais são as coordenadas para achar o meu príncipe, se é que um dia se encontraram!

Então se virando para o sapo, Yandra perguntou:

- Caco, onde está meu príncipe, você sabe?

Nesse instante, o sapo coaxou. E todos riram, quando ela os olhou perguntando se alguém sabia falar sapês. Porém, enquanto isso o sapo se moveu, pulando até chegar bem próximo ao irmão de Letícia, onde parou e coaxou novamente. Todos gargalharam. Yandra e Mateus ruborizaram. Ela ainda tentou contornar, tentava conversar com o sapo: “ok, engraçadinho! Agora, estou tímida! Vá tomar seu café-da-manhã lá fora... vá passear, vá!”. Mas o sapo não lhe prestava mais atenção, então Dona Maria pegou uma vassoura e o varreu para fora.

As meninas se sentaram para tomar café ainda em meio a gargalhadas. Dona Maria disse não saber definir a loucura da situação, isto é, se Yandra era a maluca da história por conversar com o sapo, ou se era o animal por responder! Nisso, Mateus disse ter ficado honrado com a escolha do sapo oráculo. E Yandra, muito sem graça, respondeu que teria sido bem menos embaraçoso, se ela tivesse dito que não acreditava em contos de fadas.

- Amiga, se você tivesse dito isso, não teríamos nos divertido tanto!

Era verdade, a situação foi divertida, mas não só isso. Yandra ia muito à casa de Letícia, conhecia toda sua família e se identificava com Mateus. O fato de ambos se ruborizarem não era só por um embaraço qualquer, pois havia certa afinidade entre eles, tanto que até conversaram sobre o ocorrido depois. Ele estava na varanda, lendo, quando ela se aproximou, sentou no degrau e ficou olhando a paisagem.

- Tá estranhando a calmaria do campo?

- Um pouco. Atrapalho?

- De jeito nenhum. Aliás, a princesa nunca atrapalha o príncipe, segundo os contos de fadas, certo?

- É, certo. Você não achou aquele sapo um tanto quanto intrometido?

- Não, ele só respondeu o que você perguntou. Talvez tenha sido meio metido. Você não gostou da resposta?

- Ops! É... não é que não tenha gostado, apenas foi inesperada! Só o coaxar tava de bom tamanho!

- Mas a vida é assim, sempre nos coloca diante do imprevisível, do surpreendente. São por momentos assim que vale a pena estar vivo.

Yandra o olhava e não acreditava que ainda existia nesse mundo alguém que pensasse assim. Sentiu-se feliz, subitamente, o mundo mudava de novo. Existem pessoas diferentes, que pensam com profundidade, que acreditam na vida, que sonham e não permitem que digam que os sonhos ou a sua realidade sejam bobagens. Já haviam conversado anteriormente sobre outras coisas, aliás, gostava de conversar com ele, mas talvez nunca tivesse reparado que as almas de ambos falassem a mesma língua. Foi como respirar o ar puro após sair de um túnel.

- Eu concordo. Tudo tem uma beleza singular, há momentos que se eternizam deixando saudade. Só se vive uma vez, sem esboços, e isso traz uma magia incrível à vida.

- Vocês estão filosofando? Hiiiii... Yandra, vamos andar a cavalo? – Letícia apareceu puxando a amiga para o meio do pasto.

O fim de semana no sítio fora perfeito, atingira não só o objetivo de acabar com o mau-humor de Yandra, como recuperou seu vigor, sua fé na vida e nas pessoas. Mas ela sentia que o sapo tinha a ver com isso. É bem verdade, que ela não acreditava que Mateus fosse seu príncipe encantado ou que o animal a tivesse respondido de fato. Porém, o sapo causou a situação engraçada, situação essa que provocou aquela conversa com Mateus, o diálogo de suas almas e o despertar de seu ânimo, de seu entusiasmo que há algum tempo andava adormecido.

Então, já era noite, naquele sábado. E Yandra estava na varanda, procurando seu totem no chão, ao invés de admirar o céu daquela noite. Teria sido simples coincidência? Não seria possível que o sapo a tivesse entendido profundamente? Ela não procurava um príncipe, mas um resgate! Parece besteira. Mas muitas pessoas vão para o deserto, fazem uma caminhada espiritual para encontrar um totem que lhe dê respostas. Ela precisava de uma caminhada dessas, mas não foi preciso fazê-la, seu totem apareceu assim, de repente. Mas, agora, estava sumido. Tinha vontade de testá-lo novamente. Estranho, mas queria levá-lo pra casa, fazê-lo seu confidente, conversar sobre os mistérios do universo. É apenas um sapo... muitos diriam isso. Aliás, quem não a internaria num sanatório por conversar sobre os mistérios do universo com um sapo? Mas era o seu sapo, isto é, tornara-se o seu sapo, pois a libertara da angústia. Por causa dele, voltava a acreditar na vida, a enfrentar o mundo com a cabeça erguida! Ele, um pequeno sapo, foi o estopim para voltar a se alegrar, para não perder de vez a fé na humanidade.

- Yandra, o que você está fazendo?

- Procuro aquele sapo, estou vendo se ainda está por aqui.

- Por quê?

- Por nada.

Na verdade, queria dizer que queria olhá-lo, queria tentar um contato visual, como se assim, ela pudesse sentir sua alma se comunicando com seu totem. Precisava ter certeza de que aquele sapo era seu totem. Queria mais respostas. Pra variar... estava sempre atrás de respostas.

- É só um sapo, Yan. Ele não vai voltar a entrar em casa. Entra, vamos ver um filme?!

- É, é só um sapo! – “Mas é o meu sapo!”, pensava, enquanto entrava na sala, ainda olhando para a varanda.