sábado, 22 de novembro de 2008

Terapia paranormal

Uma bandeja com uma garrafa de café e uma jarra de chá mate de um lado da cama, do outro lado, um laptop em cima da cadeira. Aos pés da cama, um livro imenso e aberto com alguns parágrafos sublinhados. No meio, cartas de baralho. Jogavam canastra em silêncio. Só era possível escutar o barulho do ventilador. Contudo, uma hora ou outra alguém deveria começar a falar, mas quem? Era de se esperar que ela desse início à conversa, mas estava absorta em suas dúvidas. Tentava em vão distrair todos os questionamentos com as combinações dos números das cartas. Pegou a caneca de café. Estava vazia! Ficou olhando para o fundo da caneca, engoliu em seco, e tentou decidir entre o chá e mais uma dose de café.

- Isso só vai te manter acordada. Por que você não fala? Abre o jogo. Eu já estou aqui! Preencher uma caneca não vai resolver o verdadeiro problema, certo?

Ela o olhou com censura. Não queria falar nada. Estava farta das insistências e intromissões de todos. Queria apenas jogar e tomar seu café (sim, ela optou pelo ouro negro da economia brasileira de outrora).

-Então é assim? Tratamento de silêncio comigo? Logo comigo? Fala sério!

Ela apenas se concentrava nas cartas, no jogo, pretendia ignorá-lo. Eis uma coisa engraçada: ela realmente achava que era possível ignorar alguém parcialmente. Eles estavam jogando, mas e daí? Era possível ignorá-lo, como não?! Portanto, permaneceu calada, escutando o silêncio sendo cortado pelo motor do ventilador.

- Pois então, começo eu! Mesmo que nessas garrafas houvesse tequila, o problema não iria sumir, assim como não vai desaparecer magicamente. Você já parou pra pensar que não são as pessoas que se metem demais na sua vida, mas você que resolveu cortá-las repentinamente do seu cotidiano, por mais estranho e difícil que isso pareça?

Ele conseguiu um pouco de atenção. Ela arregalou os olhos e o fitava, procurando palavras para retrucar.

- Você agora é psicólogo?

- Sempre fui, não? O seu, particular. Esqueceu que na sua auto-suficiência e rebeldia, você nunca permitiu a idéia de expor sua vida para outrem?! Restava apenas eu, que estive presente em todas suas crises existenciais, ouvindo, aconselhando. E, bom, como de costume, aqui estou eu. Abuse!

O café esfriara. Ela tomou o resto frio rapidamente e fazendo careta. Comprou mais uma carta, analisou, descartou outra.

-Se você fosse fumante, o cinzeiro estaria lotado de cigarros. Todo esse chá e esse café só irão mantê-la acordada e lhe darão uma imensa vontade de ir ao banheiro. Eu sei que você jamais fumaria. Afinal, churrasquinho de pulmão não é lá muito interessante... não é isso o que você diz?

- Criatura, que espécie de anjo da guarda é você?

- Uma espécie rara, daquele tipo que conversa e joga cartas com a protegida. O que faz de você uma louca ou privilegiada. Não é todo mundo que tem regalias como essa!

- Hum! Louca?

- Se alguém entrar por aquela porta, provavelmente verá uma cama desarrumada com cartas espalhadas e uma garota que fala sozinha. Ou seja, sou um anjo que aparece pra você e lhe ajuda, ou sou apenas fruto da sua imaginação. O que você prefere?

- Fruto da minha imaginação? Por isso, você está ganhando o jogo! Se você é coisa da minha cabeça, então sabe todas as minhas cartas... isso não é justo!

- HEI! Sou anjo. Não trapaceio! Mas, tudo que faço dá certo, devido ao poder a mim investido. Mesmo nas cartas, eu ganho. Saio com as cartas certas... não é mágica, não é trapaça, é meu espírito.

Ela esboça um sorriso, mas os olhos estão cheios de água.

- Você é suicida no seu trabalho?

- Quê? Por mais malucas que sejam as coisas que você fala e pensa, geralmente, eu entendo, mas dessa vez...

- Você me abandonou... e apareceu só agora! Seu trabalho é me proteger e ele não tem sido muito bem executado...

- Eu sempre estou com você. Menina, do que você está falando?

- Você não me protegeu! Olha, por que to sentindo isso? Eu não deveria me sentir assim... é culpa do seu trabalho mal feito.

- Ok, eu tenho uma novidade pra você: você é humana e seres humanos têm sentimentos. Acredite, todos vocês sentem algo ou várias coisas ao mesmo tempo... não me pergunte como ou porque, nunca fui humano... sentimentos são grandes incógnitas para os anjos!

- Se você me protegesse como manda o figurino, eu sequer sentiria isso! Se estou assim, foi porque você não me protegeu direito, deixou que eu fizesse algo que teve como conseqüência isso, essa angústia, essa... isso!

- Já ouviu falar em livre arbítrio? Eu não posso interferir, apenas proteger-te.

- Eu não deveria estar assim...

- Lembra de Descartes? Sujeitinho de nariz empinado, metido... então, ele dizia que seres humanos têm alma, por isso sentem. Dizia que isso diferenciava humanos de animais, humpf! Colocou tua raça no topo... animais seriam simplesmente sistemas mecânicos, não sentiriam dor ou qualquer outra coisa, devido ao fato de serem desalmados.

- Falar de Descartes não vai arrancar esse vazio.

As lágrimas escorriam. Não conseguia parar de chorar. Por que chorava? Não sabia denominar o motivo.

- Dói?

- Não. O que sinto é um nada dentro de mim. É um vazio grande. Não dói, mas é angustiante. A sensação é de não ser capaz de ter qualquer sentimento. Parece um buraco negro que está aqui dentro. Eu não consigo evitar!

- Por que você não sai? Permita que as pessoas façam parte da sua vida.

- Onde você esteve no último ano?

-Exatamente, encrenquinha. Você estava feliz, rodeada de pessoas. E agora, procura pela solidão e se irrita com quem lhe procura. Por que motivo?

- Por que era tudo ilusão. Não era felicidade, eu estava sendo comum. Ia a festas, tentei ser sociável, mas não consigo viver assim. Estava seguindo o fluxo, mas chega um momento em que a gente se cansa. Tudo é tão superficial e as pessoas se agarram a isso de tal forma... Não quero ver ninguém. Não quero sair. As pessoas são...

Ela gesticula com as mãos, procura palavras, definições, mas não encontra e, frustrada, volta a chorar.

- Fúteis, descompromissadas, arrogantes. Procurava por essas palavras? Ah, sim! Faltou hipócritas, certo? Você se afasta de todos ao menor sinal de depreciação por essas características de qualquer ser humano ao seu redor. Ninguém é perfeito, minha querida! Além do mais, você perde a fé muito rapidamente! Dê mais crédito às pessoas! São apenas seres humanos cheios de imperfeições, mas ainda assim, encantadores. São capazes de grandes gestos, basta acreditar, dar-lhes crédito, ter fé!

Ela olha para o ventilador. O olhar perdido. Pensava em cada palavra, em suas atitudes. Talvez realmente estivesse fazendo tempestade em copo d’àgua, mas ainda assim, por que estava tão irritada? Sentia-se pressionada, vigiada. Detestava dar satisfações de sua vida e, ultimamente, acreditava que todos monitoravam seus passos. Como prezava sua liberdade! Ainda que fosse a liberdade para acolher a solidão em um cômodo fechado. Mas ninguém respeitava sua solidão, pareciam tomar isso como uma afronta e invadiam sua privacidade sem pestanejar. E não paravam por aí... ora, era revoltante! Com tanta coisa acontecendo no mundo, e, no entanto, tinham opiniões mesquinhas a respeito de problemas pequenos e ainda fiscalizavam a vida alheia, ao invés de resolver os próprios problemas.

- Você, encrenquinha, é incomum. Tem uma aura diferente, é frágil, apesar de tentar disfarçar isso com uma pitada de brutalidade. Isso é o que mais gosto em você!

- Minha fragilidade mascarada?

- Não, sua raridade. Você percebe o que há de errado no mundo, no cotidiano das pessoas, lá no íntimo delas, e consegue interiorizar tudo isso. Você é uma antena, capta tudo, capta a dor das pessoas e sofre por isso. Daí, suas crises. Apesar dessa mente irritante, você tem uma alma, um coração peculiar, raro, grande e diferente.

- Hum! Sei, então sou um imã de energias negativas e isso é bom? Que loucura é essa?

- Mais ou menos. Isso é bom, porque te inclui entre as pessoas que se posicionam diante dos problemas para resolvê-los. Você sabe o que está errado, o que incomoda, o que deve mudar. Sabe que caminho seguir para fazer a vida, não só a sua, mas em geral, valer à pena! Essa é a diferença entre você e tantos outros. Sabe toda a superficialidade que você repugna? É a forma que as pessoas encontraram para lidar com a própria dor. Elas se escondem dos problemas do mundo e tentam se esquecer dos seus próprios. Vivem de festa em festa, se ocupam de coisas fúteis como mecanismo de defesa. Todos têm um mecanismo de defesa, o seu é o isolamento.

Ela sorriu. Sentia-se não aliviada, mas encantada com aquela análise. Era uma bela forma de ver toda a situação. Mas não tinha certeza de que isso lhe abafaria a revolta. Isso arrancaria aquele vazio de dentro dela?

- Quem tá falando isso? Você ou minha cabeça? Se você for, de fato, fruto da minha imaginação, estou me vangloriando, arrumando desculpas esfarrapadas para me sentir melhor... isso não lhe parece errado?

- Talvez, você está melhor?

- Suponho que sim!

- Então não importa, se sou eu ou você. O objetivo era esse: ajudar-te a lavar a alma, preencher aquele vazio com fé, esperança. Eu disse que encher a caneca não adiantaria nada, não era ela que precisava de preenchimento.

Ela olha para o laptop, atualiza a página do seu email. Nada novo.

- Mas continuo irritada. Ainda acho que transeuntes se metem na minha vida sem ser chamados.

Ele a olha. Volta sua atenção para o carteado e bate novamente, ganha a partida, deixando-a com várias cartas na mão.

- Você não se mete na vida alheia? É mais fácil se preocupar com os outros do que consigo mesmo. Quantas aspirinas você toma cada vez que pensa em si mesma, nos seus problemas? Ninguém gosta de dor de cabeça! Então, ficar na janela, cuidando da vida dos outros é mais simples. É a saída mais fácil.

- Aspirina resolve isso! Focar no problema alheio é hipocrisia. Você ganhou de novo.

- Dentre tantas características boas e ruins, essa sempre fez e continuará fazendo parte da humanidade.

Ela começa a guardar o baralho na caixa. Já é tarde, a madrugada avança chamando a aurora. Ele tinha razão, ela perdeu o sono.

- E agora?

Olhou ao seu redor. Estava só.

- Oie, cadê você? Bonito! Vai me abandonar de novo?

Ouvia-se apenas o barulho do ventilador. Mas, ela sentiu uma calma, uma paz e dentro de sua cabeça surgiu uma frase. Não sabia se era criação dela ou se fora resposta do anjo. Não sabia se a cafeína causara alucinações ou se realmente conversara com seu anjo da guarda. Não, não era a primeira vez que isso acontecia. Contudo, todas as vezes em que tinha esses supostos debates metafísicos, ao final, não sabia dizer se tudo fora real.

“Jamais! Estou sempre com você, ainda que não seja capaz de me ver. Olhos metafísicos podem atrapalhar sua caminhada. Qualquer dia, marcamos outra jogatina.”

domingo, 9 de novembro de 2008

Amar, verbo intransitivo

Sobre o amor, foram e são feitas várias conjeturas, no entanto, poucas conseguem traduzí – lo de forma imaculada e sagrada como ele realmente é. A maioria não descreve o amor, mas o desespero do corpo.
Porque se é egoísta, não é amor, mas a natureza humana que grita contra solidão do ser essencialmente social.
Porque como social, quer ser feliz, quer um relacionamento correspondido, e a isso chamam de amor.
Ah, ilusões humanas!
Porque amar é verbo intransitivo, a recíproca não é obrigatória.
Porque o amor é o abstrato que concretiza, não o concreto, reações químicas, que possui.
Porque o amor é um bem - querer constante: querer ao outro feliz.
Ainda que a felicidade do outro não esteja nos braços daquele que ama.
Porque ama - se com a alma, que pura e docemente leva à outra alma sinceros votos:
Sê feliz!
Porque o importante é que o outro esteja bem. Pensamentos e energia daquele que ama se voltam para isso, e tendem a se materializar, porque o amor é metafísico.
E porque o amor é metafísico, deve - se ao erro de Camões: amar não é apaixonar - se!
Porque amar é verbo intransitivo, mas apaixonar...
"O amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente”,
porque Camões descreveu a paixão, inerente ao ser humano.
O fogo que machuca e consola, explosões de ansiedade, desejo.
Dor! Fortes pressões quase capazes de quebrar tudo por dentro, ferida infeccionada,
que melhora a qualquer momento: basta avistar o alvo da paixão.
Porque a paixão implora por reciprocidade. É egoísta, possessiva!
Pode destruir, mas bem - sucedida:
constrói.
Porque se constrói, há amor, sentimento vital.
Porque sem amor, não há perdão, ou compaixão, ou alegria,
há o caos!
Porque o amor não é egoísta, mas egocêntrico:
fonte de vida.
Porque é essência da comunhão entre homens, anjos, animais, natureza.
Porque é fundamento da existência .
Porque é amor.

De repente, um blog!

Há algum tempo, cogitava a idéia de criar um blog. Então, pensei, por que não? Díficil será manter- me escrevendo assiduamente, ainda mais com tantas provas se aproximando... De qualquer forma, já é um começo!
Provavelmente, devo explicar o nome do blog! Na verdade, trata-se de uma analogia, quem nunca ouviu falar em borboletas no estômago? Aquele frio na barriga que normalmente nos acomete quando estamos apaixonados. Pois bem, foi pensando nessas borboletas que decidi dar tal nome ao blog, uma vez que pensamentos fervilham em minha cabeça tal qual uma revoada desses bichinhos.
Aqui, colocarei um pouquinho de histórias, alguns dos meus pontos de vista...enfim, alguns pensamentos ou apenas as borboletas de minha cabeça!
Senhoras e senhores, sejam bem vindos!